“O consumidor valoriza a saúde e paga mais caro por alimentos saudáveis”, explica Helio Mattar, do Instituto Akatu, que falou para a revista Época sobre as tendências de consumo alimentício no Brasil e como essas atitudes influenciam a sociedade, indústria e o meio ambiente. Devido à sua importância, estamos reproduzindo aqui no Blog.
Os consumidores nunca estiveram tão preocupados com a origem dos alimentos que chegam à mesa. A consciência sobre o impacto dos produtos em toda a cadeia de produção, desde o campo até o lar dos brasileiros, é parte do caminho para um mundo mais sustentável. O presidente do Instituto Akatu, Helio Mattar, fala sobre as tendências de consumo alimentício no Brasil e como essas atitudes influenciam a sociedade, indústria do setor e o meio ambiente.
O que são alimentos sustentáveis?
– O alimento sustentável é aquele em que o processo de produção não exerce impacto negativo sobre os trabalhadores, nem sobre a saúde das pessoas que vão consumí-lo. No Akatu, nós sempre dizemos que em uma sociedade insustentável, nenhum produto vai ser sustentável por ele próprio. Basta pensar, pegue um alimento orgânico, produzido da melhor forma possível, com tecnologia de regeneração da terra, trabalhadores bem cuidados e todas as precauções com a saúde do consumidor. Mesmo assim, esse produto vai ser transportado por uma frota de caminhões, principalmente no Brasil que não tem nenhum outro tipo de transporte, e vai causar impactos ambientais negativos. Então é importante reforçar que o alimento pode ser sustentável na produção em si, mas não consegue o mesmo no sentido mais abrangente da cadeia de produção.
Com o que as pessoas deveriam se preocupar ao comprar alimentos?
– A primeira preocupação deve ser com o meio ambiente. Saber de onde veio o alimento, como ele foi produzido, que impactos ambientais ele gerou. Se foi usado agrotóxico, quais especificações foram seguidas e se houve proteção adequada dos trabalhadores que manusearam o produto químico. Do ponto de vista social, observar se não houve trabalho de crianças, tendo em vista que a área agrícola é a que mais tem mão de obra infantil, e se não envolveu trabalho em condições de escravidão. Muitas pessoas também estão se preocupando em saber se o alimento é produzido em pequenas comunidades, pois elas sentem que estão contribuindo com a melhoria da sociedade se consumirem produtos oriundos de pequenos produtores. O terceiro aspecto leva em conta o próprio bolso do consumidor, pois ao fazer pela economia, ele também faz muito pela sociedade e pelo meio ambiente. Por exemplo, ao fazer o planejamento semanal do cardápio, podemos verificar quais ingredientes já possuímos e assim evitar o desperdício. E utilizar receitas ocultas, que aproveitem os alimentos por inteiro, como cascas, talos, sementes, frutas machucadas, entre outros.
De forma geral, você acredita que o consumidor brasileiro esteja mais consciente?
– Eu acho que é um processo, na verdade. O que o Akatu tem de dados, uma pesquisa feita há quatro anos, mostra que em torno de 30% dos consumidores brasileiros leem os rótulos dos produtos antes de comprar. Esse já é um bom resultado. Agora, se esse indivíduo segue de fato as instruções, como a quantidade ideal de consumo diário, por exemplo, fica difícil saber. Sobre a opção do comprador por alimentos orgânicos, as vendas desses produtos vêm aumentando. Esse número está crescendo entre 15% e 30% ao ano, dentro dos grandes supermercados, que representam cerca de 35% das vendas de alimentos. Isso já é um indicador sobre a preocupação com a origem dos produtos.
Com relação a restaurantes, o que você destacaria como modelo de sustentabilidade?
– Os cuidados não são diferentes dos que os consumidores devem ter. Selecionar ingredientes de boa qualidade, saber das origens desses produtos, que tipos de cuidados foram tomados na produção e no transporte e evitar o desperdício de alimentos. Um bom exemplo a ser citado é o de um refeitório, no Rio de Janeiro, que ainda é um experimento em pequena escala, feito pela Gastromotiva, uma organização sem fins lucrativos, juntamente com o chef Massimo Bottura. Eles utilizam produtos excedentes de feiras e supermercados, que recebem de graça, e aproveitam totalmente essas sobras de alimentos. Outro exemplo é o Ivan Halston, chef de São Paulo, que está usando ingredientes brasileiros, da estação, além de plantas alimentícias não convencionais, como feijão-borboleta e erva-jabuti. Plantas que geralmente são consideradas ervas daninhas. Além disso, ele compra a pele do bacalhau e faz um tipo de caldo. O alimento é muito nutritivo, mas costuma ir para o lixo. Esses são exemplos de ações que vários restaurantes poderiam estar fazendo para reduzir o desperdício de alimentos.
Qual é a conexão entre o consumo consciente dos alimentos, a saúde do homem, dos animais e do planeta?
– Se existe um produto sustentável que ajuda muito o planeta, a saúde do homem, o bem-estar social e dos animais, esse é o alimento. Ele é consumido em quantidades expressivas diariamente, três vezes ao dia, por praticamente todo mundo, pelo menos por quem tem segurança alimentar. Uma pesquisa que fizemos mostra que o primeiro fator que faria o consumidor brasileiro deixar de consumir um alimento seria saber que a produção envolveu o maltrato de animais. O segundo elemento, seria saber que o produto tem impacto negativo sobre a saúde. Ambas são preocupações com a vida. Além disso, é bom lembrar que, no ano passado, o Brasil superou os 50% de pessoas com sobrepeso. Esse é um problema não só para o sistema se saúde pública, que vai ter um custo adicional para o tratamento das doenças acarretadas pela obesidade, mas para o indivíduo em si. Num período de 40 anos, juntamente com o aumento de renda da população, houve também a elevação nas taxas de consumo de alimentos ultraprocessados, como salsichas, biscoitos e refrigerantes. A conveniência do alimento industrializado fez com que a população não pensasse nos impactos negativos que o consumo excessivo desses produtos gera.
O que os consumidores podem fazer para incentivar a produção de alimentos mais saudáveis e que tenham um processo de produção menos agressivo ao planeta?
– O consumo é um voto. E você pode votar bem ou mal. Se votar bem, faz com que a sociedade siga naquela direção, pois as pessoas que você conhece te veem votando bem e vão querer seguir o exemplo. Sendo assim, o número de pessoas que vão dando exemplaridade às outras aumenta. Portanto, a escolha mais adequada não é individual, mas para a sociedade como um todo. É isso que os consumidores devem fazer para incentivar a produção de alimentos mais adequada e sustentável.
Quais são as melhores notícias sobre alimentos atualmente?
– Várias empresas estão cuidando do bem-estar animal. Por exemplo, na produção e comercialização de ovos de galinhas poedeiras fora de gaiolas, listamos algumas como a Unilever, Cargill, Bunge, a Hemmer Alimentos e o Grupo Pão de Açúcar, todas já não aprisionam as aves em jaulas. A segunda boa notícia é a redução de sódio e açúcar. Há alguns anos, houve uma negociação difícil entre as empresas e a Anvisa sobre isso. As indústrias defendiam que o paladar das pessoas está ligado à quantidade de açúcar, sódio e gordura contida nos produtos. E, de fato, as mudanças nesse sentido são lentas. O Brasil não é uma exceção nisso. Outro ponto é que o mercado brasileiro de bebidas e alimentos saudáveis chegou a quase 100 bilhões em vendas, no ano passado. O que nos colocou na 5ª posição no ranking mundial. A categoria de orgânicos foi a que mais cresceu, em média geral 18% ao ano. Isso mostra que as pessoas estão valorizando a saúde cada vez mais, pois o alimento orgânico é um pouco mais caro. E, por último, as certificações, além da de bem-estar animal, os selos de fair trade [comércio justo] que estão começando a aparecer.
Qual a importância de eventos que impulsionam o consumo consciente e sustentável de alimentos, como o Festival Origem?
- No Akatu dizemos que a sustentabilidade vai ser fruto de cinco coisas. Primeiro, mudanças tecnológicas, como mais energia e matérias-primas renováveis. Segundo, maior consciência do consumidor, que também já está acontecendo, por intermédio das escolas, das mídias e dos institutos. Terceiro, a elaboração de políticas públicas, pois não vai haver mudança se não privilegiarmos o mais sustentável e desprivilegiarmos insustentável. Quarto, mudanças radicais nos produtos e serviços do setor alimentício na direção de alimentos mais saudáveis, pois a sociedade não vai conseguir bancar os custos de doenças. Além disso, vai ser preciso que os produtos sejam mais duráveis, para evitar desperdício. E, finalmente, organizar a sociedade em comunidades menores, pois assim fica mais fácil enxergar as necessidades e os benefícios das ações diárias. Citei esses cinco fatores porque que o Festival Origem inclui no evento vários atores, como o consumidor, o produtor, o governo e a academia, que vão ter o que dizer a respeito da sustentabilidade alimentar e fazer uma conscientização geral sobre o assunto.