segunda-feira, 3 de agosto de 2015

# MãoNaMassa - O "caso" da tangerina descascada e o novo consumidor

                                          
 
Venda de tangerina descascada gera polêmica, expõe rixas regionais e até ideológicas. Especialistas em consumo defendem frutas sem casca. Você não tem mais tempo para escolher uma fruta na banca e nem tem tempo para fazer uma vitamina. Precisa de alguém para fazer isso por você, o atual "animal preguiçoso", como mostra a reportagem do Globo deste domingo (2/8). O sujeito paga caro para não fazer e depois reclama da vida.

Eram quase 13h quando Daniel Martins Alves recebeu, via WhatsApp, a foto que atiçaria o Brasil naquela segunda-feira, 13 de julho: uma bandeja com 16 gomos de tangerina à venda em um supermercado. Às 12h57m, ele pôs no Twitter (e depois no Facebook) a imagem e este texto: “A geração que não roda pião, não corta o dedo empinando pipa, não pega fruta na árvore. A geração da mexerica descascada.” Então desempregado, o publicitário foi jogar videogame e depois reviu um de seus filmes favoritos, o faroeste "Três homens em conflito".

— Fiquei off-line por horas. Quando voltei, tomei um susto — diz Daniel. — Tinha mil pedidos de amizade, o limite do Face. Meu post tinha viralizado.

Graças a 30 mil compartilhamentos, a minitese sociológica estava provocando reações apaixonadas país fora. Um apocalíptico escreveu sobre a foto: “O exato momento em que eu perdi a fé na Humanidade.” Um artigo no site "Observador diário" perguntou em seu título: “Que tempos são esses?” E houve até um colunista do site "Área H" que relacionou a rejeição à casca da fruta com falta de apetite por sexo oral.

Logo surgiram defensores das frutas descascadas, dispostos a pagar o preço por suas escolhas. No caso, R$ 0,40 — no supermercado paranaense onde a foto foi tirada, o quilo da tangerina sem casca custava R$ 2,89; a granel, R$ 2,49. E a história continua rendendo, dentro e fora das redes sociais.

No site BuzzFeed, conhecido pelas listas divertidas, a polêmica foi descascada assim que surgiu, e ainda rendeu enquete, coleção de receitas e post sobre outras coisas que mudam de nome conforme a região — com o bafafá, muitos descobriram que tangerina também é mexerica, mimosa, bergamota e, pasme, vergamota.

— Rivalidade regional é um combustível importante para essas polêmicas de internet — diz Clarissa Passos, redatora do BuzzFeed. — A gente tenta mostrar as opiniões que vão surgindo e, nesse caso, são muitas. O troço foi compartilhado loucamente e todos têm algo a acrescentar. O curioso é que não é nem novidade: faz tempo que se vende fruta assim.

Em 2012, por exemplo, os supermercados alemães Billa passaram a vender bananas já descascadas. Criticada, a rede reviu sua estratégia.

No Brasil, a coisa foi chegando aos poucos e, até o chamado “tangerinagate”, não causou estranhamento. Em um supermercado de Copacabana, entre sanduíches prontos e a tradicional salada de frutas, encontram-se porções de kiwi, melão, mamão e manga já descascados, fatiados e embalados para consumo imediato. Perguntado a respeito da porção de tangerina sem casca, anunciada no site da rede, um funcionário que permanecerá anônimo para seu próprio bem informa:

— Não tem. E, na minha opinião, não tem que ter. É o cúmulo da preguiça.

Para o veterano blogueiro Alexandre Inagaki, que se diz do tempo da “internet moleque, de raiz”, a crítica sempre existiu, só ganhou visibilidade.

— Internet nada mais é do que um megafone dos papos que rolam na vida off-line. Com certeza já teve gente se indignando ao encontrar mexericas descascadas à venda, mas só houve toda essa repercussão porque alguém postou uma foto e jogou fósforo na palha seca das redes sociais — diz Inagaki. — Eu mesmo não resisti e dei meu pitaco, dizendo que o perfume que a casca deixa nas mãos é parte da experiência e que, se inventarem tangerina sem caroço, pago o preço gourmet.

Eugenio Foganholo, diretor da Mixxer, consultoria especializada em varejo e bens de consumo, considera natural a venda das frutas descascadas se há demanda para o produto.

— Não estamos discutindo ideologia. Mas, se for por este lado, quem compra fruta descascada, com o valor agregado da embalagem e do trabalho do descascador, contribui mais para gerar emprego e renda. Quem achar que está errado não compre. Mas deixa o outro comprar! — diz Eugenio.

Professora de comportamento do consumidor do curso de Publicidade e Propaganda da ESPM Rio, Karine Karam apresenta um viés feminista para a polêmica das frutas sem casca.

— O papel da mulher mudou. Antigamente, você chegar e ver a dona de casa com cheiro de cebola, de alho, não era um problema. Hoje, eu saio de casa para o trabalho, para uma reunião, e não quero estar com cheiro de comida — diz Karine. — Você tem a rotina muito corrida, tem 40 minutos de manhã para ficar com o seu filho. Vai ficar descascando fruta? Antes as pessoas gastavam tempo para economizar dinheiro. Hoje, elas gastam dinheiro para economizar tempo.

Karine também aponta que, por trás (ou melhor, por fora) das porções de frutas descascadas, há ainda um fator estético. Uma fruta que seria descartada pela casca feia, se estiver com o interior perfeito, pode ser vendida por preço maior do que o da casca bonita. Em Portugal, há inclusive o movimento Fruta Feia, que organiza a venda (por preço menor, claro) de frutas e legumes que seriam desprezados pelos exigentes consumidores lusos.

Se a polêmica da tangerina trouxe lucro, foi para o seu disseminador. Esta semana, Daniel foi contratado como analista de marketing digital. Na hora de apresentá-lo à equipe, o chefe anunciou em bom paulistanês: “Este é o cara lá das mexerica descascada! Conta aí, meu!” É o orgulho da equipe.

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