segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Agricultura urbana é apontada como profissão do futuro

                            
 
A produção local de alimentos pode transformar a relação das pessoas com a comida, a cidade, a saúde – e com elas mesmas. Então, mãos a obra. Aponta reportagem do Estadão.

Enquanto era escrito o texto que você lê agora, surgiam na linha do tempo das redes sociais fotografias tingidas de vermelho: registros da tradicional Tomatina, a festa do tomate na Espanha. A “guerra” ocupa as ruas da cidade de Buñol uma vez por ano, sempre na última quarta-feira de agosto. As pessoas jogam tomate umas nas outras e depois tomam um banho ali mesmo. Parecem todas muito alegres. O fruto usado como munição é esmagado antes de ser arremessado, para não machucar ninguém, e os organizadores dizem que a variedade é cultivada especialmente para a festa. A batalha teve início há mais de setenta anos e virou atração turística da cidade valenciana.

Mesmo que os tomates sejam cenográficos, para muitos que observam a cena de fora é difícil não pensar em desperdício. Jogar comida pela janela, lavar a calçada com o esguicho de mangueira. Quem se esforça minimamente para entender o momento que vivemos sabe que algumas ações, mesmo se praticadas como exceção, parecem não ter lugar. Outras, por outro lado, são importantes e há pessoas que, incomodadas com a desconexão do homem e o meio ambiente e preocupadas com o futuro, agem a favor delas.

É verdade que muitos desses indivíduos, hoje, andam como se estivessem no mar, com a água na altura dos joelhos. É difícil, precisa de certo esforço. E não se tem notícias de grandes empresas em escancarada procura por profissionais ‘sustentavelmente engajados’, sobretudo em tempos de crise. Há os que conseguem trabalho em ONGs de causas socioambientais, instituições que lidam com políticas públicas, educação (é importante ensinar para mudar), escritórios de arquitetura e urbanismo ou de novo aquelas que de um jeito autônomo, mas integrado à vizinhança, começam a plantar para consumir e até vender para restaurantes, escolas e consumo doméstico. Quem tem conhecimento de sustentabilidade, porém, vai ser cada vez mais requisitado e valorizado, porque os problemas relacionados à água, aquecimento global e diversas mudanças no clima são reais e temos de lidar com eles – sua compreensão no planejamento das cidades é fundamental para prevenir e mitigar os riscos.

Os que acham que um texto sobre profissão do futuro só faz sentido se falar de emprego e dinheiro no bolso, trazendo respostas bem objetivas (o que vou estudar, aonde vou trabalhar e quanto eu vou ganhar), provavelmente já desistiram há alguns parágrafos. Aos que ficam: escolhemos encerrar esta série de treze reportagens com uma reflexão de formação social, comportamento e atitude.

Decidimos usar como fio condutor a agricultura urbana, porque é urgente nas cidades a ação de pessoas sintonizadas com o meio ambiente e seus processos naturais e sociais. A produção agrícola pequena, perto dos centros urbanos – ou dentro deles – é uma coisa boa. “A profissão do agricultor voltado à agroecologia vai crescer cada vez mais, porque na agricultura convencional você pega a sementinha da empresa X, com o adubo da empresa Y e o defensivo químico da empresa Z e teoricamente vai produzir seu alimento cheio de veneno. Mas vai causar sérios danos à saúde de quem aplica e de quem consome e vai acabar destruindo e degenerando cada vez mais a terra. Nesse sistema é muito simples de plantar. Já o agricultor que leva em conta o cuidado com a terra e o meio ambiente precisa ter um conhecimento muito grande de como fazer o adubo, a compostagem, e as pragas acabam sendo um indicador do que está faltando na horta e tem de desenvolver tecnologias sociais para combater sem usar química”, diz o consultor e coordenador de projetos de sustentabilidade Samuel Gabanyi. “Os engenheiros agrônomos vão ajudar na conversão de uma agricultura convencional para a orgânica e melhorar a produtividade. Depois, provavelmente, virão os urbanistas. As pessoas que planejam a cidade hoje não têm na cabeça a importância da agricultura urbana e você vai precisar cada vez mais dela.”

Por que a agricultura urbana é importante?

Produzir e comprar localmente significa aproximar produtores e consumidores e fazer girar a economia local. Além de diminuir as distâncias, evita desperdício (consumo consciente), gera menos poluição (menos transporte) e lixo (embalagens especiais) e contribui para a qualidade de vida. O agricultor vive melhor sem o uso agrotóxicos. O consumidor se alimenta melhor com orgânicos e locais e o meio ambiente tende a ficar mais confortável. A biodiversidade agradece e, ao redor das hortas, as pessoas se encontram e convivem e colocam energia em um projeto cheio de significado. E tem mais: elas colocam a mão na terra, plantam, entendem e acompanham de perto o ciclo produtivo. Há benefícios sociais enormes em torno do engajamento e da atividade.

 “Praticar agricultura urbana é produzir alimentos dentro da cidade. Frutas, legumes, verduras, hortaliças e animais. Ao comprar diretamente do produtor, sem intermediários, o produtor recebe mais dinheiro e o comprador paga mais barato. Não tem necessidade de transporte poluidor de longa distância nem de nenhuma embalagem complexa”, diz Gabanyi. “Além disso, o alimento é fresco e de verdade, orgânico, não é comida de caixinha cheia de ingredientes que, quando você lê, não entende o que está escrito. O alimento que vem de longe perde nutrientes até chegar na sua mesa. A agricultura urbana, seja na pequena horta comunitária, seja em espaços maiores, promove a regeneração da biodiversidade, superimportante para os ciclos da natureza. Ela atrai borboletas, besouros, joaninhas, abelhas. E também ajuda a diminuir as ilhas de calor na cidade. Com o aumento das áreas verdes, a temperatura fica mais agradável, o ar mais limpo, visualmente mais bonito, a horta vira espaço de lazer e conforto.”

Gabanyi tem 33 anos, formou-se em administração pública e fez o primeiro estágio na ONG Banco de Alimentos, que arrecada produtos bons para o consumo e que seriam jogados fora e os entrega em creches, asilos, instituições de caridade, orfanatos. “Foi um choque de realidade quando eu comecei a conhecer muito a periferia da cidade e todos os dias vendo pessoas que passam fome e eu sempre tinha um prato de comida na minha frente. Acho que isso me cativou bastante. Comecei a ver que tinha alguma coisa errada nessa lógica: como tem gente jogando alimento no lixo, se tem quem precisa dele? A partir disso já são quinze anos trabalhando com projetos na área social ou na área ambiental e com a certeza de que a gente precisa agir em conjunto com o meio ambiente e não como soberano dele.”

No meio do caminho, Gabanyi, que já frequentava horta comunitária e cultivava em casa, entrou para a formação do MudaSP, organização sem fins lucrativos voltada para a agroecologia em espaços urbanos. “Cada pessoa tem, por enquanto, um outro emprego e é voluntário na organização. Atualmente, cerca de quarenta participantes têm alguma ligação com o movimento. Desses, catorze formam o grupo gestor, cuidando do planejamento e da gestão de projetos no dia a dia. Tem arquiteto, biólogo, administrador, gestor ambiental, permacultor e pessoas de marketing, comunicação, jornalismo e design. Não temos gastos, não há despesa fixa.”

Por onde começar e o que fazer

As hortas comunitárias são um ponto de partida para projetos de agricultura urbana e relacionamentos mais saudáveis com os espaços públicos. Além disso, cada profissional pode direcionar as atividades, em sua própria área de atuação, nesse sentido. Ao erguer um prédio, o arquiteto e o engenheiro vão pensar em um pomar vertical, no uso da ventilação cruzada para promover mais conforto térmico e usar menos o ar condicionado, na luz natural e nos telhados. “A quantidade de telhado que temos em São Paulo para fazer hortas é enorme. São metros e metros quadrados de área que podem ser plantados. Os próprios urbanistas, as pessoas que fazem o planejamento da cidade têm que começar a levar isso cada vez mais em questão, aumentar o número de áreas verdes, porque cidades mais sadias têm população mais saudável. A indústria têm de entender seus impactos ambientais e a própria população têm de incorporar os conceitos de sustentabilidade”, diz Gabanyi.

Educar para a sustentabilidade – Levar hortas e educação ambiental para as escolas é outro gesto fundamental para promover a agricultura urbana. E surge como área de atuação importante. A dificuldade é conseguir apoio para essas ações. “O paulistano está muito desconexo não só dos ciclos da natureza, mas da questão do alimento. Como é o plantio, o preparo, de onde vem, para onde vai, qual é o impacto disso. Ele chega, come, joga fora e vai embora”, avalia Gabanyi. “Hoje em dia, ainda se fala em profissional da área de sustentabilidade como uma função específica. O certo seria que todos os profissionais de todas as áreas tivessem conhecimento de sustentabilidade. A primeira área da empresa que sofre cortes é essa. Não é prioridade, sobretudo na crise. Enquanto todas as profissões não incorporarem essa questão de sustentabilidade, a necessidade de levar em conta o meio ambiente e seus processos naturais e o lado social, estamos fadados ao caos. A mudança acontece quando a sustentabilidade estiver incorporada em tudo

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