Diretor do Conselho Brasileiro de Produção Orgânica Sustentável avalia que o consumo de produtos do segmento no Brasil tende a se assemelhar ao de cervejas artesanais a partir da busca pela exclusividade.
A produção de orgânicos no Brasil, ainda visto como objeto de desejo para classes A e B, tem passado por uma curva ascendente. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) estima que entre janeiro de 2014 e janeiro de 2015, houve um aumento de 51,7% no número de produtores, concentrados em sua maioria na região Nordeste do País. Esse mercado deve movimentar, conforme perspectiva do Conselho Brasileiro de Produção Orgânica Sustentável (Organis), um aumento entre 20% e 30% no faturamento até o fim deste ano.
O diretor-executivo da Organis Ming Chao Liu avalia, porém, que a quantificação deste mercado ainda é incipiente, consequência da regulamentação recente. A cultura e comercialização dos produtos orgânicos no Brasil foram aprovadas pela Lei 10.831, de 23 de dezembro de 2003, porém, a regulamentação de fato aconteceu em 2007, com a publicação do Decreto Nº 6.323. Liu conversou com Estadão PME sobre as perspectivas da produção orgânica no País, encabeçada essencialmente por micro e pequenos produtores.
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento estima que o mercado de produtos orgânicos deve faturar R$ 2,5 bilhões em 2016. Para a Organis, qual é o tamanho real deste segmento no Brasil?
Quando comecamos nossos trabalhos, em 2006, nossa pergunta era qual é o tamanho desse mercado. E não temos ainda uma resposta segura. Os únicos dados que o MAPA tem são das unidades produtivas, há uma falta de fontes dos dados secundários muito grande. A gente vem usando alguns instrumentos para estimar esse faturamento, mas sabemos que é um número muito conservador.
Conseguimos notar um crescimento desde o processo de regulamentação, em 2011, quando o MAPA teve condições de realizar um rastramento mais oficial dos números. Em países onde historicamente houve a regulamentação, como EUA, Canadá e Japão, foi possível notar um forte crescimento de investimento de empreendedores e de multinacionais entrando nesse segmento. Por aqui, esse movimento ainda não aconteceu.
Qual é a percepção do consumidor brasileiro em relação aos produtos orgânicos?
A tendência do consumidor hoje é cada vez mais procurar produtos saudáveis, menos processados, mais funcionais, com garantia de origem. Nesse processo, o segmento de orgânicos tem um peso muito forte em função de como é certificado e como esses produtos são vistos. O mercado de saúde, que é um mercado muito maior, acaba puxando toda a demanda pelos produtos orgânicos em razão da garantia que eles oferecem de que não têm agrotóxicos, pesticidas. Isso tem feito com que a demanda por orgânicos tenha um forte crescimento.
Hoje, conseguimos detectar uma diversidade de produtos orgânicos nas gôndolas, que antes eram habitadas apenas por frutas e vegetais. Começam a aparecer, cada vez mais, produtos de maior valor agregado como barra de cereais, sucos, geleias. Porém, em outros segmentos, a coisa ainda não andou. Carnes, lácteos ainda não se desenvolveram rumo aos orgânicos. É um segmento que tem um alto valor agregado e há um espaço grande.
Os orgânicos ainda estão amadurecendo, criando um volume para um processo de agregação de valor, mas não ainda é um volume suficiente para uma indústria como Coca-cola, Pespi ou Danone incorporar e lançar produtos como elas fazem em outros mercados globais.
Qual é o papel do pequeno produtor na escala de orgânicos no Brasil?
Estamos em um estágio inicial em que o pequeno e médio empreendedor vem com a ideia, com a inovação para lançar algo diferente, e consegue lançar. Em uma segunda etapa, multinacionais ou maiores começam a entrar no segmento, por fusões e aquisisões dessas empresas menores. Agora, existe algumas centenas de empresas menores que, ao longo do tempo, vão ser compradas ou incorporadas. Porém, esse processo ainda não aconteceu.
A produção orgânica parte, essencialmente, dos micro e pequenos. Quando eu falo em médio empresário, me refiro a um faturamento acima de R$ 20 milhões. A grande maioria fatura menos de R$ 10 milhões por ano. Essa maioria, hoje, ainda está muito pulverizada. Não chegamos ainda na segunda etapa, de ter um número significativo de produtos. Está acontecendo. Algumas marcas já pensam em exportação, pois a demanda no exterior é muito alta. Até nos Estados Unidos e Europa, a demanda é muito maior do que a produção interna.
Isso cria oportunidade para os micro e pequenos quando eles têm um produto inovador, com algum ingrediente que só tenha no Brasil e que lá fora o importador possa contar uma história. É o que acontece, por exemplo, com o açaí, que é da Amazônia, tirado de forma artesanal por comunidades extrativistas, passa por uma pequena cooperativa.
O pequeno produtor de orgânicos no Brasil tem acesso fácil a linhas de crédito e programas de incentivo?
Com a regulamentação, em 2007, esperávamos que fossem criadas mais linhas de apoio, seja de abatimento fiscal, seja de financiamento. Hoje, as linhas que fazem esse financiamento são a nível do produtor e criadas antes da regulamentação. São raras são as linhas de maquinário, por exemplo. E é difícil para o micro e pequeno acessar essas linhas diante da burocracia.
Alguns Estados criaram linhas de apoio, ainda tudo voltado para o setor primário. No setor de processamento de indústria, só os médios conseguem algo. Ainda é muito pouco diante dos quase cinco anos de regulamentação. Não estamos nem no início, porque não foi criada uma única linha ainda. A diretriz não foi colocada em prática. Está se discutindo qual é o plano nacional da agricultura orgânica.
Os produtos orgânicos são tradicionalmente mais caros em relação aos convencionais. Quais são os parâmetros para a precificação?
Em termos globais, o orgânico sempre teve essse estígma de ser um produto caro e elitizado para uma classe A ou B. Para isso, há uma série de justificativas. Além passar por um processo diferenciado, a escala dele é menor. Pela lei de oferta e demanda do mercado, isso já se justifica.
Alguns países, no caso o Brasil também, têm feito com que o acesso do consumidor para os produtos seja feito com menos intermediários. Cidades como São Paulo, Curitiba, Porto Alegre têm promovido feiras onde o consumidor vai direto ao consumidor, o que diminui os intermediários. Quanto mais você encurtar a cadeia de quem produz com o consumidor final, essa diferença minimiza.
O consumidor está condicionado a, quando há um produto diferenciado, pagar mais caro. Mas ele precisa saber porque ele é caro, não adianta só colocar o produto lá. Se mostrar para ele que não existe transgênico, que não existem sementes resistentes a pragas, não há uso de inseticida, pesticida, ele dá valor.
Existe uma associação direta entre o produto orgânico e o chamado 'gourmet'?
Não temos como negar que as redes de varejo buscam criar um diferencial para fidelizar o cliente. Redes que têm um perfil de consumidor A e B e que obviamente estão construindo um conceito, e isso tem um custo.
O orgânico, por si só, já é um produto diferenciado, que vai remeter muito mais ao artesanal local. O consumidor vai identificar aquilo não apenas como um produto, mas com quem o faz. É semelhante ao setor de microcervejarias. O que chama atenção do consumidor por uma cervejaria caseira? É o rótulo, os ingredientes, o método, a forma como ele está fermentando, a origem. Na essência, a cerveja é o malte o lúpulo, a cevada. Mas o consumidor entende que só ele está experimentando aquilo.
Da perspectiva do produtor, esse apelo faz com que o pequeno busque essa diferenciação e entre para o setor.
Como a crise econômica afeta esse segmento?
Naturalmente, o pequeno produtor consegue ter flexibilidade em relação ao produto. É diferente de uma grande empresa que, se decide mudar radicalmente, não tem nem condições de achar fornecedores para girar o volume que ele tem e nem tempo e escala para brincar com isso. Os micro conseguem e isso faz com que o mercado de orgânicos seja visto com produtos inovadores e diferenciados.
Por a escala deles ser menor, o impacto da crise no fluxo de caixa é menor também. Mesmo em tempos de crise, o que está motivando o consumidor é comprar produtos que estejam trazendo benefícios para ele. Se ele consegue enxergar que o produto não é apenas uma marca, não é apenas uma propaganda, ele vai consumir. Hoje o consumidor é um médico pesquisador individual. Se ele ouviu falar que o produto faz bem, ele vai procurar aquele produto na internet e vai consumir.
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