O
Blog Paladar, do Estadão, ouviu especialistas, representantes de órgãos
do governo e chefs para recolher sugestões de ações capazes de dar à
cozinha brasileira o lugar de destaque merecido.
A
vitória da brasileira Giovanna Grossi na etapa latino-americana do
Bocuse D’Or, a Copa gastronômica, em fevereiro no México, reaqueceu uma
antiga discussão: a falta de apoio à gastronomia no País. Giovanna
treinou por meses sem patrocínio e levou ingredientes na mala para sua
apresentação. Repetiu o que muitos chefs profissionais enfrentam há
anos.
A gastronomia brasileira vive o
conhecido drama de ser a promessa da vez, mas nunca chegar lá. O Paladar
ouviu especialistas, representantes dos órgãos de governo que trabalham
na promoção do Brasil, como Apex, Ministério do Turismo e a Embratur,
além de chefs, para mapear os obstáculos e recolher sugestões de ações
capazes de dar à cozinha brasileira o lugar merecido.
Qualquer
ação deve envolver os setores público e privado, além de planejamento e
apostas fortes. Nisso todo mundo concorda. Com a grande dimensão e a
variedade cultural do Brasil, os especialistas dizem que é preciso
eleger um símbolo, uma marca, que sirva de porta de entrada. Foi isso o
que fez o Peru com o ceviche.
Planejamento,
investimento e envolvimento de organismos setoriais transformaram a
gastronomia em grande atrativo turístico da Espanha. Os espanhóis
souberam mostrar ao mundo desde seus produtos artesanais tradicionais
aos mais ousados pratos da cozinha contemporânea molecular.
Por
aqui, ainda não encontramos um meio eficaz de promover cozinheiros,
técnicas, produtos tradicionais. Nem aqui dentro nem no exterior. “O
Peru é muito conhecido, mas o Brasil é mais forte na gastronomia – é o
único país latino-americano que tem edição do Guia Michelin, por
exemplo, mas não tira proveito disso”, diz Alex Atala. “É incrível que
as pessoas pelo mundo ainda achem que a tapioca, que está na base de
nossa cozinha, é asiática...”, ressalta.
A
valorização dos produtos nacionais deve começar pela revisão da
legislação: muitos dos maiores patrimônios da cozinha não podem ser
vendidos por falta de regulamentação, caso do mel de abelhas nativas e
de queijos de leite cru.
O chef Alex Atala, do D.O.M
"O
problema já começa quando o taxista recomenda ao turista um restaurante
francês... Não existe turismo sem gastronomia nem gastronomia sem
turismo" –Alex Atala
Nos países bem
sucedidos na promoção da gastronomia, as iniciativas são coordenadas por
órgãos governamentais ligados ao Ministério das Relações Exteriores.
Mas contam também com ampla participação de iniciativa privada e de
órgãos setoriais, como os de produtores de vinho de determinada região,
de fabricantes de embutidos de outra etc.
Por
aqui, a situação ainda está longe disso. Um bom exemplo é o do chef
Rodrigo Oliveira, do Mocotó, que divulga a cozinha brasileira mundo
afora, mas em grande parte das vezes viajou a convite de outros países.
No ano passado, representou o País na Expo Milão – e foi patrocinado
pela feira.
“Há uns quatro anos, fui para o
Chile convidado pelo governo chileno. De lá para cá, anualmente, me
chamam para fazer jantares para chilenos aqui no Brasil”, diz Rodrigo.
Os convites, nesse caso, vêm da ProChile, órgão vinculado ao Ministério
das Relações Exteriores encarregado da promoção de produtos e do
turismo.
"A raiz da inércia está na falta de
conhecimento dos órgãos. Eles não têm ideia do motor econômico que é a
gastronomia. Estou num bairro pobre, servindo comida sertaneja e atendo
20 mil clientes por mês" –Rodrigo Oliveira
O
Peru tem órgão similar: a PromPerú, que promove o turismo e a imagem do
país. Entre as ações, convida jornalistas e formadores de opinião do
mundo todo para visitar o Peru e comer nos restaurantes (o impacto
direto está nas listas de melhores restaurantes do mundo, de que são
jurados).
A Espanha foi pioneira nesse tipo de
ação e graças a esse expediente a revolução gastronômica provocada por
Ferran Adrià foi conhecida pelo mundo. A TourSpain, órgão vinculado ao
Ministério de Turismo, lançou o Marca España, ampla campanha de
valorização dos atrativos do país, começando pela comida.
No
Brasil, não há um órgão correlato. A Embratur é uma autarquia do
Ministério do Turismo para promover destinos. Já a Agência Brasileira de
Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), associação civil sem
fins lucrativos, atua na promoção comercial de produtos e serviços para a
exportação. “Recentemente trouxemos jornalistas japoneses para uma
experiência de life style no Brasil, com visitas a restaurantes”, diz
Christiano Braga, gerente de exportação da Apex.
Aqui
e ali, aparecem ações esporádicas, como para a Olimpíada, mas falta uma
articulação ampla e conjunta como política pública. “O problema é fazer
o Brasil enxergar que o setor movimenta dinheiro”, diz a empresária
espanhola Joana Munné, há 17 anos no Brasil e que já fez trabalhos
envolvendo Apex, Embratur e órgãos espanhóis, como quando chefs mineiros
foram ao Madrid Fusión em 2013.
"Quando os peruanos se convenceram de que nossa comida era tão charmosa quanto a europeia, não teve volta" –Gastón Acurio
O EXEMPLO DA ESPANHA E DO PERU
O
que países como Peru, Espanha, Coreia do Sul e Tailândia fazem na
gastronomia é aquilo que o norte-americano Paul Rockower chama de
gastrodiplomacia: o uso da comida para comunicar cultura e conquistar o
mundo pelo estômago.
ESPANHA. Cerca de duas
décadas atrás, quando Ferran Adrià era um nome estranho fora da Espanha,
o governo não bola para sua gastronomia. Adrià cresceu, uniu
cozinheiros, viajou bastante, convidou o mundo para dentro de sua
cozinha e ajudou o Ministério de Turismo a reconhecer o setor. O
governo, além de apoiar eventos como o Madrid Fusión, criou projetos
como o Marca España e o Saborea España, exclusivamente sobre a cozinha
espanhola.
PERU. Ali, o setor se fortaleceu em
torno da figura do premiado chef Gastón Acurio, que ajudou a organizar o
setor privado e a obter apoio do governo, lutando pela inclusão social
como meio de fortalecer a gastronomia. Uma das ações da PromPerú é a
feira Mistura, que reúne produtores e cozinheiros.
Acurio
diz, no entanto, que, apesar da boa imagem internacional do país, ainda
falta fazer muito para que a cozinha atinja seu potencial de
desenvolvimento econômico e social, como a criação de centros públicos
de formação de cozinheiros, como existe em países da Europa.
SEIS AÇÕES PELA GASTRONOMIA BRASILEIRA
1. INTERESSE COMUM
Gastón
Acurio, o chef que capitaneou a virada peruana, ensina: “Indústria,
chefs e empresas precisam colocar interesses pessoais de lado para lutar
por um objetivo comum”.
2. MARCA PAÍS
É
preciso eleger uma marca, como o ceviche peruano e o sushi japonês. Os
chefs Alex Atala e Rodrigo Oliveira sugerem a mandioca, que está na
origem da nossa culinária.
3. PEQUENO PRODUTOR
A
defesa de pequenos produtores, em oposição à indústria, é central, pois
agrega qualidade. Para Atala, o foco em commodities e itens de larga
escala pasteuriza nosso receituário.
4. MARCAR PRESENÇA
Ampliar
a participação em congressos de gastronomia – da mesma forma como o
País entra pesado em feiras de turismo, como a Abav Expo Internacional
de Turismo.
5. ORGULHO PRÓPRIO
A
divulgação deve começar no próprio país. Para Gastón Acurio, o ceviche
não teria decolado se os próprios peruanos não tivessem antes aprendido a
dar valor à receita.
6. DIPLOMACIA A FAVOR
Entendimento
entre embaixadas e órgãos de turismo facilitam o trânsito de
ingredientes para participação em eventos e evitam o estresse de levar
ingredientes na mala.