Renúncia
fiscal para empresas, criada pela então governadora Rosinha Garotinho e
continuada por Sérgio Cabral, que antecedeu o governador Luíz Fernando
Pezão, bem como o menor valor do petróleo, estão ajudando a enterrar o
Rio de janeiro. Se analisarmos pesquisa divulgada neste final de
semana, é bom ficar em alerta pois não mostra saída alguma para os
próximos meses. Só vai piorar.
Enquanto a
arrecadação de royalties e participações especiais de petróleo no Estado
do Rio cresceu 1.800% em valores correntes entre 1999 e 2015, o
recolhimento de seu principal tributo, o ICMS, ostenta vigor bem mais
discreto. Segundo dados do Conselho Nacional de Política Fazendária
(Confaz), nesse período, a receita do Rio com ICMS subiu 356% em valores
correntes, passando de R$ 7,229 bilhões para R$ 33,033 bilhões. É a
menor variação entre os 27 estados e o Distrito Federal.
Os
números mostram que o Estado do Rio, nos últimos anos, contou com os
bilhões que passou a receber de royalties desde 1999, como resultado da
mudança na Lei do Petróleo, passando a adotar uma política tributária de
incentivos e pouca atenção à arrecadação do ICMS que, segundo os
especialistas, não rendeu os frutos esperados. Em 16 anos, a valores de
hoje (atualizados pelo INPC), o estado recebeu R$ 114,9 bilhões em
royalties e participações especiais sobre campos de petróleo, segundo
dados do InfoRoyalties, base de dados elaborada pela Universidade
Candido Mendes em Campos (Ucam-Campos).
Os
incentivos tributários criados na última década, por sua vez, ganharam
força ano após ano. Somente entre 2008 e 2013, a renúncia fiscal chegou a
R$ 32,4 bilhões, destaca estudo feito pela Secretaria de Fazenda do
Estado do Rio. Mas, apesar do esforço de atração de novas empresas na
última década, a economia do Rio ainda continua dependente do petróleo,
que responde atualmente por 33% de seu Produto Interno Bruto (PIB, soma
dos bens e serviços produzidos no país).
SUBSÍDIOS NA CADEIA DE ÓLEO E GÁS
Essa
dependência resiste mesmo à atual crise no setor de petróleo, que
derrubou os preços do barril no mercado internacional e reduziu em 40%
os royalties obtidos no ano passado, agravando ainda mais a crise fiscal
do Rio. A forte retração da indústria petrolífera abala ainda a
arrecadação de ICMS: 15,5% da receita fluminense com o tributo vêm do
setor.
José Vianna, professor de pós-Graduação
em Planejamento Regional e Gestão de Cidades da Universidade Candido
Mendes, em Campos, lembra que a renúncia fiscal acabou não compensando,
já que hoje o estado sofre com a falta de recursos oriundos do petróleo,
agravada ainda com a paralisia do setor decorrente da Operação
Lava-Jato. Segundo ele, nem sempre a atração de um grande empreendimento
se reflete no aumento de outros serviços ao redor, gerando, assim, mais
tributos para os cofres públicos.
— Além
disso, o Estado tem um aumento de custos, com o investimento em
infraestrutura para atender a um novo empreendimento e para manter essas
melhorias. No atual cenário, as políticas de renúncia fiscal precisam
ser reavaliadas, ainda mais em um momento de queda no preço do petróleo.
O panorama fica ainda pior se levarmos em conta que muitos
investimentos subsidiados no Rio nos últimos anos foram polarizados pela
cadeia de óleo e gás, como os portos logísticos, o complexo
petroquímico, o setor naval e a siderurgia — disse Vianna.
ICMS ZERO POR ATÉ DOIS ANOS
O
especialista, no entanto, reconhece que a renúncia é fruto da chamada
guerra fiscal dos estados, que baixam os valores do ICMS para atrair
empresas. Exemplos não faltam. Em alguns casos, montadoras tiveram ICMS
zero por até dois anos e laboratórios de tecnologia tiveram isenção de
impostos para a compra de equipamentos. Além disso, 29 municípios
oferecem hoje ICMS reduzido — a alíquota chega a 2% dependendo do setor —
para ajudar na atração de companhias.
Ao
todo, 51 cidades estão enquadradas na lei que permite a redução e que
foi criada em 2005 pela então governadora Rosinha Garotinho e que sofreu
adaptações ao longo dos governos de Sérgio Cabral e Luiz Fernando
Pezão.
Margarida Gutierrez, professora da UFRJ
especializada em finanças públicas, destaca que o efeito das renúncias
fiscais sobre a economia pode ser frágil, causando apenas custo aos
cofres públicos.
— As desonerações têm que ser embasadas em uma política industrial complexa.
A
situação fica mais difícil enquanto as contas ficam cada vez mais
dependentes da renda do petróleo, que tem sido muito volátil.
Levantamento feito pelo gabinete do deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha
(PSDB-RJ), a pedido do GLOBO, mostra que o peso do ICMS sobre o total
arrecadado pelo estado diminuiu nos últimos anos. Em 2002, o ICMS
representava 53,49% dos ingressos nos cofres estaduais, que ficaram em
R$ 19,2 bilhões naquele ano. A fatia do ICMS na receita caiu conforme o
peso dos royalties aumentou. No ponto mais baixo da série histórica, o
imposto chegou a responder por 40,5% da receita estadual, em 2013. No
ano passado, com a queda do petróleo e a crise no setor, o ICMS voltou a
responder por mais da metade da arrecadação, com fatia de 56,7% no
orçamento.
O peso dessa dependência aparece nos
resultados do ano passado. Considerando a receita efetivamente recebida
pelo estado (e não apenas as previsões em orçamento), o volume de ICMS
subiu apenas 1,5%, variação bem inferior à inflação do período. Já a
receita com royalties despencou 38%. A expectativa para este ano é de
nova retração, de 28%, considerando petróleo a US$ 30 o barril e dólar a
R$ 4.
R$ 7 BILHÕES EM DÍVIDAS DE EMPRESAS
Para o deputado Luiz Paulo, que é de oposição, faltou ao governo uma estratégia para lidar com a falta de recursos do petróleo:
—
Até a Arábia Saudita (maior produtora mundial de petróleo) está fazendo
seu dever de casa, com a criação de um fundo soberano, mas o Estado do
Rio está inerte.
O governo, no entanto, afirma
estar tomando ações para aumentar a receita. Um dos projetos é melhorar a
cobrança de impostos devidos por empresas. Em agosto do ano passado, a
Secretaria de Fazenda criou um polo de cobrança amigável, responsável
por negociar com devedores que reconhecem os débitos, mas não
regularizam suas dívidas. A estimativa é que o governo estadual tenha
cerca de R$ 7 bilhões a receber. Até agora, 1.600 empresas foram
contatadas, e menos de 10% desse montante foi negociado: R$ 615 milhões,
em pagamentos à vista e parcelados. A expectativa é que o polo funcione
de forma permanente.
Enquanto isso, os
incentivos fiscais estão hoje no radar da Alerj, que tem um projeto de
lei para suspender os benefícios por dois anos. O projeto, que já
recebeu 50 emendas, saiu da pauta de votações para ser reavaliado pelos
deputados. Enquanto a proposta não sai do papel, François Bremaeker, do
Observatório de Informações Municipais, também critica o volume de
renúncias feitas pelo estado. Segundo ele, muitos benefícios são
concedidos a setores que não são economicamente rentáveis.
—
Com a crise econômica e a dos royalties, não resta dúvida que as
renúncias fiscais atrapalham. E isso agrava o quadro fiscal atual do Rio
— destaca Bremaeker.
Nos últimos meses, a
crise fiscal se aprofundou de tal forma que o governo estadual atrasou o
pagamento de funcionários públicos e deixou de pagar, este mês, a
aposentadoria de servidores públicos com salários acima de R$ 2.000. Ao
todo, 137 mil aposentados e pensionistas só devem receber até 12 de
maio.
Segundo o deputado federal Alessandro
Molon (Rede-RJ), que integrou a Comissão de Orçamento na Assembleia
Legislativa do Rio (Alerj) quando era deputado estadual, houve falta de
cuidado na concessão de tantos incentivos fiscais no estado nos últimos
anos.
— Houve inclusão de municípios sem
qualquer análise. Houve falta de responsabilidade, que foi disfarçada
por conta da bonança dos royalties do petróleo. Hoje, o Rio colhe os
frutos do atual quadro fiscal, pois não houve um cuidado para se
preparar para uma mudança de cenário, como a que ocorre hoje. Era
preciso analisar os setores que seriam razoáveis para receber
benefícios. E a situação hoje ainda é pior porque os royalties sempre
foram usados para o pagamento de despesas e de aposentadorias, quando
deveriam ser usados apenas na diversificação da economia — destacou
Molon
Fonte Extra/Globo